sexta-feira, maio 23, 2008

Ares do Índico - part 13

Macaneta

Fim-de-semana. Muito calor. Praia. Aventura. Em Moçambique é assim que começa a descrição de mais um fim-de-semana como muitos outros durante o ano. Apesar do verão estar quase a acabar, pelo menos segundo o calendário das estações do ano, o calor não deixa de aumentar e de se fazer sentir durante o dia e mesmo durante a noite. Nada melhor do que aproveitar os dois dias de descanso por semana para ir até à praia carregar as baterias e viver algumas aventuras que quebram as rotinas do dia a dia. Em Maputo a praia mais próxima é a da Costa do Sol, situada na marginal da cidade e que foi famosa à muitos anos atrás quando ainda estava virgem e imaculada! Agora, é preciso fazer alguns quilómetros e sair da cidade de Maputo para chegar até à Macaneta, uma praia que faz lembrar um pouco as praias da Costa Alentejana de Portugal, mas com muitas diferenças pelo caminho! Como fica situada numa ilha, é preciso atravessar o rio através de um batelão, barco quase semelhante a um ferry-boat mas apenas de nome. Leva 6 carros de cada vez e as pessoas que couberem. Uma viagem curta, cerca de 10 a 15 minutos consoante a força da corrente e muitos nenúfares a deslizar de um lado ao outro da margem consoante as dinâmicas das marés. Depois de atravessada a margem, alguns quilómetros de picada através de mato e dunas até chegar a uma praia com milhares de metros de extensão, sem alma viva e a mais pura sensação de ter chegado a um pequeno paraíso no meio da selva urbana. Água incrivelmente quente e apenas o mito dos tubarões fazem com que nunca se deixe de ter pelo menos um pé na areia para ajudar a fugir do peixinho! Não se ouve o senhor dos gelados da Olá nem das deliciosas bolas de berlim, mas por outro lado, consegue-se comprar ao final da tarde o peixe acabado de ser pescado e o marisco ainda vivo. Pequenas diferenças, gostos incomparáveis mas uma sensação única de estar sempre de costas para o sol. Como é banhada pelo oceano Indico, a costa moçambicana causa muita estranheza a todos aqueles que estão habituados a ver o sol descer em direcção ao mar, através da linha do horizonte arrastando atrás de si as cores intensas do verão. Muitas vezes se sente que o tempo pára nas praias moçambicanas, deixando uma sensação de eternidade em apenas algumas horas na praia. Depois de muitos mergulhos e muito sol é hora de encher a geleira de marisco e regressar a casa. Para que a aventura seja completa, é preciso ainda esperar que o famoso batelão atravesse para o outro lado da margem os mais de 20 carros que se encontram à nossa frente, que durante o tempo de espera vão fugindo à subida da maré que vai galgando o terreno e inundando as estradas. A cada nova viagem, o capitão arranja uma solução para que os carros possam entrar no barco e assim chegarem ao outro lado. O sol põe-se e o calor nem por isso arreda pé. As crianças aproveitam para vender castanha de caju a todos os banhistas que vão esperando pacientemente dentro dos carros, ao mesmo tempo que os artistas locais desfilam com as suas peças em madeira de pau-preto e sândalo, fazendo as delicias de todas as senhoras que aí se encontram. Domingo é sinónimo de festa, já que na segunda-feira a rotina regressa e é preciso esperar mais cinco dias para que tudo se repita desta forma. África tem encantos sem explicação possível e de uma intensidade brutal. A força da natureza num alto estado de pureza, muitas vezes desconcertante e até assustador. Por vezes não é fácil encarar a dura realidade de alguns países africanos em que o desenvolvimento ainda está longe e que ao mesmo tempo contrapõe essa ausência com maravilhas naturais. Tudo se compara e ao mesmo tempo nada é comparável. É estranho, mas depois disto tudo, a semana de trabalho vai ser bem mais fácil de suportar e até mesmo os 33 graus centígrados que se fazem sentir diariamente nesta altura do ano, já são um pormenor como outro qualquer.

in: Semanário Económico, CASUAL